quinta-feira, julho 06, 2006

Cd mostra nascimento da música brasileira

Essa saiu no Correio e no Cosmo

http://www.cosmo.com.br/diversaoarte/integra.asp?id=158151

Um envolvente e instrutivo passeio musical pela história de um Brasil prestes a se tornar independente. Um país que, no tumultuado período que compreende o fim do século XVIII e o início do XIX, buscava afirmar-se não só na política e na economia como também nas artes. Eis aí uma boa forma de definir o cd “Estes nossos brasis”, obra-solo de Edmundo Hora em fortepiano, lançado recentemente.

Dominique Torquato/AAN
Edmundo Hora: resgate da música pré-independência

Edmundo Hora é professor de música de câmara barroca e de cravo do Instituto de Artes da Unicamp. Ele tem sua biografia marcada por uma devoção exemplar ao legado dos compositores europeus e brasileiros dos séculos XVII ao início do XIX, o que pode ser constatado em seus três cds anteriores: “Triplo continuo” (1999), no qual integra, como cravista e organista, um trio com dois outros violoncelos, e explora obras de mestres barrocos italianos, “América Portuguesa” (1999), no qual rege a orquestra Armonico Tributo, sobre músicos nacionais do período colonial, e “Froberger” (2000), obra-solo em cravo sobre o compositor alemão (1616-1667).


Reprodução
Edmundo Hora: resgate da música pré-independência

O cd “Estes nossos brasis”, traz compositores europeus e brasileiros no período imediatamente anterior à independência. O respeito à arte desse momento específico da história pode ser observado inclusive na escolha do instrumento, o fortepiano, que difere do piano contemporâneo por algumas sutilezas de construção. Em “Estes nossos brasis”, ouvimos uma reprodução de um instrumento produzido em Viena, em 1796. Temos no cd uma obra de Mozart, a Fantasia em dó menor, e outra de Haydn, o adágio em lá maior. Trata-se de artistas que, juntamente com Rossini, o compositor de “O Barbeiro de Sevilha”, moldaram e inspiraram os mestres brasileiros daquele período. Há ainda um autor que, apesar de “formalmente” austríaco, foi um verdadeiro cidadão do mundo: Sigismund von Neukomm (1778-1858), do qual falaremos mais adiante. Do lado nacional há três obras anônimas: uma sonata encontrada em Sabará (MG), datada do final do século XVIII, e duas peças definidas como lundum, que é uma música de inspiração africana, de compasso binário, concebida para dançar, que cativou gerações de compositores brasileiros, tanto eruditos quanto populares, a partir do século XVIII. Há também o padre-compositor carioca José Maurício Nunes Garcia (1767-1830), um dos grandes mestres de nossa música, e, por fim, o bem menos conhecido luso-brasileiro Antonio Vieira Santos (1787-1853), que nasceu no Porto mas ainda na infância veio para o Brasil, fixando-se no Paraná. Sobre a sonata de autor anônimo, o musicólogo Henrique Lian, que assina o texto de apresentação do cd, define-a como “o principal legado desta gravação”, pela excelência da composição e pela maestria com que o esquecido compositor lidou com o legado de Mozart principalmente, mas também dos de Haydn e do italiano Muzio Clementi (1752-1832), um mestre do classicismo um tanto quanto eclipsado pela brilhante escola vienense que incluía, além de Haydn e Mozart, Beethoven. Dos dois lunduns anônimos, um se destaca: o em lá menor, que evoca uma africanidade meio “caribenha”. Reprodução


Pintura do impressionista Henrique Bernardelli (1858 - 1936) reproduz o que seria um recital de José Maurício para Dom João VI e Carlota Joaquina


Já José Maurício Nunes Garcia foi, sob diversos aspectos, o “pai” de nossos compositores eruditos. Outros tinham-no antecedido e, desses, o mineiro José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita (1756-1806) foi o grande predecessor, mas a obra mauriciana, além da sua qualidade, foi marcada pela independência nacional, o que deu a ela um status de marco. Dele, Edmundo Hora trouxe uma preciosidade, já algumas vezes gravada, mas ainda assim desconhecida por grande parte do público leigo brasileiro: “Compêndio de Música e Methodo de Pianoforte”. Datada oficialmente de 1821, a partitura conhecida é de 1864. O cd nos traz seis lições. A pesquisadora carioca Cleofe Person de Mattos (1913-2002) destacou em sua biografia sobre o padre compositor que a obra tinha caráter didático. Trata-se de um exercício para a prática do piano, com a explícita citação de obras de Haydn, Rossini e Mozart. Há, por fim, Sigismund von Neukomm, com a música “Les adieux à ses amis Brésiliènnes à Rio de Janeiro” (“As despedidas a seus amigos brasileiros no Rio de Janeiro”), composta em 1821. Neukomm foi um cidadão do mundo muito antes que essa palavra tivesse o sentido que tem hoje. Aluno de Haydn em Viena, foi artista de destaque em Paris. Esteve na Itália, na Rússia, na Argélia e no Brasil. Ele foi um dos musicistas da época mais entusiasmados pela obra de José Maurício. O artista austríaco chegou a publicar, em julho de 1820, um artigo no jornal cultural Allgemeine Musikalische Zeitung (Jornal de música geral), de Viena, elogiando a genialidade do artista nacional. A obra de Neukomm, datada de 1821 – um ano antes da independência – e caracterizada por uma profunda melancolia, como o próprio nome dá a entender, marcou a despedida dele do Brasil. A música de Neukomm encerra o disco e, de certo modo, marca uma importante fase artística de um país a poucos meses da independência.

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