Danielle Xavier da
Silva
PUC-Campinas
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Nilson José Ribeiro |
Nascido em Sorocaba,
Nilson José Ribeiro, de 55 anos, mudou-se para Campinas em 1980. Músico por
vocação, tocava em bares para pagar a faculdade. Formou-se jornalista, pela PUC-Campinas
em 1983. Além de musicista e jornalista, ele tornou-se escritor e pesquisador
da Unicamp, pós-graduado em Psicanálise da Cultura e mestre em Teoria Literária.
Lidera a banda The Somethings Acoustic
Beatles Band, que é uma banda cover dos Beatles.
Para Ribeiro, a diversidade
musical é fundamental. Por isso ele critica a situação musical no País: “muito
lamentável o momento musical que o Brasil atravessa, acho que tivemos uma grandeza
e uma profusão de maravilhosos compositores e ainda existe, a questão é que há
algum tempo isso era melhor divulgado pela mídia, a mídia se interessava em
promover música de qualidade. A indústria cultural, a indústria do
entretenimento, fez com que a música não passasse de produto, produto é pra ser
consumido, explica”. A dificuldade encontrada em se ter diversidade musical tem
impactado a sociedade. Além disso fala sobre sua banda e o ponto positivo da
implementação do rap no Vestibular da Unicamp em 2020.
A indústria cultural atingiu o meio musical?
Nilson José Ribeiro: Completamente. Ligamos as rádios hoje e, de
maneira geral, você ouve os hits internacionais, e os hits nacionais, tirando
alguma coisa que ainda se salva em meio ao POP e MPB. Tem muita coisa ruim, de
baixa qualidade musical e isso contribui para que as pessoas que ouçam sejam
excluídas da possibilidade de se desenvolver culturalmente. Não tenho nada
contra esse tipo de cultura, as expressões musicais que eu chamo de
entretenimento: música pra dançar, pra curtir. Só acho que não há uma divisão
de espaço justa entre esse tipo de trabalho e músicas que podem acrescentar
reflexões nas pessoas: reflexão cultural, política, histórica e social. É muito
mais fácil investir em uma música fácil, que as pessoas assimilem, cantem e
peçam, do que uma música que necessita uma certa reflexão, uma interpretação da
letra que as vezes as pessoas não estão muito mais a fim de fazer. Acho
lamentável, perigoso. O País vive essa crise conservadora exatamente por isso.,
falta de oportunidade de reflexão, ainda que exista pontos de resistência,
rádios que tocam MPB, rádios universitárias, canais de TV, que se preocupam um
pouco com isso, mas são pontos de licença, não é a regra, é a exceção, e não
podemos viver de exceção acho que a regra devia ser essa, e a exceção devia ser
o contrário, o peso da balança devia ser oposto, mas não é.
O estilo de músicas que escutamos pode definir nossa personalidade?
100%; não tenho nada contra com quem ouve só sertanejo e
funk, mas tenho um pé atrás com quem só escuta isso. Tem que diversificar o
ouvido, aprender a ouvir outras coisas, música clássica, por exemplo. Sem a
letra da música em si. Adoro música clássica, sempre ouço. A música atinge
níveis energéticos que estão além da nossa capacidade cognitiva, estou falando
da música sem a letra, vai além da interpretação, atinge aspectos internos que
não dependem de você interpretar, vai direto ao assunto, a sua energia, a sua
alma. Como somos energia, como mostra a física quântica, energia com energia se
modificam, se você ouve ou participa de ambientes ou ouve música de energias
elevadas e inspiradoras, isso também mexe de maneira interna para que se sinta
mais inspirado. Agora se você trabalha com energia mais baixas, músicas de
qualidade mais duvidosas, também vai moldar o tipo de energia interna. A partir
do ponto de vista como músico e psicanalista da cultura: “O que se escuta de
maneira mais frequente certamente vai mudar seu caráter e sua visão sobre as
coisas, não tenho a menor dúvida disso, tem um filósofo que falava: ‘Eu
reconheço a evolução de uma sociedade pela música que ouve’, não tenho a menor
dúvida sobre isso, quando a gente percebe que vive em uma crise de reflexão do
país, eu defendo a tese que isso tem tudo a ver com as músicas que temos ouvido
nas últimas décadas.
O que você acha da inclusão do rap no vestibular da Unicamp em 2020?
Fantástico. Isso tem a ver com a arte periférica, que até
hoje encontrou e encontra muitos obstáculos pra chegar ao centro cultural, e o
rap, hip hop e como o samba é uma manifestação dessas comunidades periféricas
mais excluídas. Acho importantíssimo, tem que trazer pro centro, jogar luz e
foco nessa produção, ouvir, ler o que essas pessoas estão dizendo, essa
manifestação com todo carinho possível e interpreta-la. Acho que é um processo
de inclusão importante, é uma quebra de paradigma porque durante muito tempo a
lista de material de Literatura dos Vestibulares era escolhido tudo o que se
considerava dentro da formalidade acadêmica, dos grandes escritores, hoje já
não, já abre por exemplo, esse ano o vestibular da Unicamp tem uma escritora
negra, acho super importante, chega tarde, mas nunca é tarde demais, até porque
já não tem mais tanto preconceito em relação a poesia musical se é literatura
ou não. É importantíssimo a gente incorporar esse universo pro nosso
aprendizado e pra isso tem que explorar o vestibular, porque se você não
explora as escolas não ensinam. De maneira geral, os hip hop, os raps eles têm
algo a dizer, um grito a ser ouvido, acho importante e super bem-vindo.
O que explica alguns estilos musicais serem marginalizados?
Acho que existe uma certa rejeição por parte talvez de uma
elite cultural. Acho que tem que ter o espaço dela, que pra mim eu chamo de música
de entretenimento. Mas acho que é porque existe um certo preconceito mesmo em
relação a esse tipo de produção musical.
O que você acha da mistura de ritmos musicais?
Acho bacana, tudo é uma tentativa de explorar. Isso não é
novo. Tem que brincar com as possibilidades.
Comparando as letras produzidas antigamente e atualmente o que se pode
dizer?
Ainda tem gente
compondo bem. O problema é que antigamente tinha mais cantores com essa
possibilidade de fazer grandes obras-primas, e a visibilidade era maior, apesar
de não ter rede social as TVs tocavam mais isso, as rádios também tocavam, hoje
em dia se toca muito pouco tudo o que se produz de bom, e isso é um grande
problema. Agora eu acho que tem muita gente fazendo letras boas. Por eu estar
nesse mercado, e ser compositor, conheço muitos bons compositores e você falar
que nunca ouviu, que são grandes compositores, são fantásticos. Mas o problema
é que hoje isso sobrevive de pequenos ciclos: universitários, rádios menores, shows menores e estamos na época dos
megashows. Embora ache que sofremos
de uma queda nesse potencial de composição de coisas mais elaboradas, tem
bastante gente fazendo, o que não tem é espaço para esse trabalho. Aqui na
Unicamp tem um pessoal que formou uma banda que chama “Selo Fôlego’’ e eles tem
vários compositores autorais. A Unicamp é um nicho de pessoas formadas em
música, mas espaço é um problema. Divulgar, então se você não consegue reunir
um grupo dentro da mídia social por exemplo: Youtube, você fracassa no sentido
de se promover, fica um público restrito. Além disso não se vende mais CDs. Hoje
em dia as pessoas ouvem as músicas no celular de outra maneira. Isso faz com
que o compositor sofra muito, não estamos nos Estados Unidos onde se lança um single e as pessoas baixam em grande
escala. No Brasil diminui muito, e são mais com músicas comerciais.
Qual a importância da diversidade musical?
Acho super importante,
só acho que devia ter mais equilíbrio, ainda mais no Brasil que é de uma
riqueza rítmica, então nasce todo tipo de música. Mas a gente vai perdendo um
pouco as nossas tradições já não temos mais grandes cantores de baião como Luiz
Gonzaga, que façam sucesso nacional levando música do nordeste para o Brasil, enfim
de outras partes do País. Com bastante visibilidade hoje em dia, é engraçado
isso porque esperava-se que com a facilidade de acesso a informações isso
acontecesse, quer dizer essa divulgação mais global de todos os cantos do país
e fizesse de uma maneira mais fluida, o que não acontece.
A diversidade de letras pode influenciar negativamente a sociedade?
A diversidade não. A diversidade ajuda. O problema é que
não há diversidade de letras, a gente ouve de maneira geral uma diminuição
desse potencial literário nas músicas, é uma redução da qualidade dessas letras
e não uma diversidade.
Você lançou em 2014 o livro “A música do silêncio”; a obra tem alguma
ligação com a música?
Tem porque, depois de
muito tempo trabalhando com música passei a entender uma coisa interessante: é
tão importante o conceito ativo da música como as pausas, o silêncio. Porque
sem a pausa não existiria a possibilidade de você executar um tipo de música,
isso para escrever também, quando você escreve um conto, uma reportagem, é
interessante que haja uma certa dinâmica, que tensione, que relaxe, que seja
respiração e inspiração, pausa entre uma coisa e outra, musica também é isso, “tensão,
relaxamento, tensão relaxamento”, e entre elas pausas. Como a nossa respiração,
ela é importante também e o silêncio pra mim aconteceu de eu ter me embutido
nas pesquisas das filosofias orientais, meditação. O silêncio é muito
importante, e o texto desse livro, que são contos e crônicas é exatamente da
importância, a riqueza que existe no silêncio interno de cada um de nós. Os
contos são baseados em sabedoria zen e as crônicas que dividem espaço com os
contos no livro, são mais observações cotidianas de pequenos milagres do
cotidiano que passam despercebido, então esse livro tem muito a ver com
espiritualidade, e eu acho que música tem tudo a ver, a música e o silêncio se
completam, sem um o outro não existe “Sem ruído não há silêncio e sem o silêncio
não há ruído”. O ruído, o som parte do silêncio e volta pro silêncio, no título
do livro a gente busca exatamente isso, chamar a atenção pra essa
possibilidade, pra essa compreensão, pra esse casamento entre a ação e a
relatividade, a música e o silêncio, a palavra e a pausa.
Como surgiu a ideia da banda?
Como sou músico desde
1980, conheço muitos músicos. Quando cheguei aqui em Campinas, para fazer a
faculdade eu já era músico, e comecei a tocar em bares pra levantar um dinheiro
pra tentar pagar a faculdade e república, que são os gastos que a gente tem
normalmente quando vem de outras cidades, e eu fiz amizade com muitos músicos.
Em 2006, há 13 anos, percebi que tinha alguns amigos que tinham alguma coisa em
comum, que era tocar Beatles e a gente em quanto se encontrava partiu a ideia
da Letícia (componente da banda), de montar um grupo e tirar um repertório,
escolhemos o nome porque achamos bom, um nome engraçado. Então nossa banda já
dura mais do que a original, que durou 10 anos. Hoje em dia nem ensaiamos mais.
Quais são as dificuldades para se manter uma banda?
Uma banda como a nossa
que se propõe a fazer cover,
principalmente em Campinas, é muito difícil pois existem muitas peculiaridades,
pois precisamos tocar em um lugar que a música se encaixa, como é uma banda, o
gasto com o cachê por parte do contratante é sempre maior, toco voz e violão. A
primeira dificuldade é encontrar lugares para fazer shows, e segundo encontrar cachê que cubra essa necessidade. O
dinheiro é baixo. Também é difícil conciliar a agenda pois também temos
trabalhos solos. Mas ganho mais dinheiro tocando com a banda cover, do que com meu projeto autoral,
porque se toco minhas músicas as pessoas se “irritam’’, pois não conhecem.
Apesar de ser uma banda cover,
já pensaram em expandir o projeto com músicas autorais?
Pra essa banda nunca. Tenho meu projeto autoral
com quatro CDs, voltado pra MPB.
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