Stela Ribeiro Pires
PUC-Campinas
“ A arte tem o poder de ‘estesiar’ as pessoas, ao contrário de anestesiar” |
José Renato Sedlacek, professor |
Um pintor, uma fotógrafa e um professor:
em comum a todos, a paixão pelas artes plásticas. A reportagem reuniu-os para mostrar,
em palavras, o significado do fascínio pelas imagens. Nessa segunda-feira, dia 15,
é comemorado o Dia Mundial do Desenhista, que foi instituído no ano de 2011
pela IAA (
International Association of
Art, Associação Internacional das Artes em português), a maior organização não
governamental de artes visuais, criada pela Organização das Nações Unidas para
Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). A data é também uma homenagem a Leonardo da
Vinci, nascido neste mesmo dia a 567 anos em Vinci, Itália. Também é comemorado
nesse dia o World Art Day (Dia Mundial da Arte), que celebra todos os tipos de
manifestações artísticas existentes, dentre elas a pintura, teatro e a
fotografia.
Juntos somos mais
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O artista plástico Smania e seu mural em prol da Apae |
O publicitário Leonardo Smania
Donanzan, de 25 anos, iniciou sua vida artística em 2014, quando começou a
pintar. Segundo ele, desde novo já tinha aptidão para o desenho. Smania, como o artista se identifica em suas obras, relata
que, por volta dos 5 anos, já havia ganho concurso escolar pela releitura de
uma obra, mas foi na faculdade de Publicidade e Propaganda, na Universidade
Metodista de Piracicaba, que começou a pintar murais e que o seu dom aflorou. A
partir daí Smania começou a pintar nas ruas, fazer estêncil – técnica para
aplicar desenho ou ilustração através do corte ou perfuração em papel ou
acetato – e aprimorar a sua arte.
“ Desde o começo da pintura do mural ele ouvia reclamações a respeito da cor da pele da modelo e de sua aparência ” |
Smania |
Smania teve como base uma campanha que
havia feito a certo tempo chamada
Educação Não é Crime, no qual teve bastante
repercussão, e a partir dali começou a se atentar no poder que tem a arte para
despertar a consciência coletiva. Então, como já era voluntário da Associação
de Pais e Amigos dos Excepcionais de Americana e estava inserido em um meio no
qual já conhecia o pessoal, teve a ideia de fazer uma nova campanha, juntamente
com a instituição, para levantar verba, pois o rombo deixado pelo ex-prefeito
Diego de Nadai ocasionou no corte de 20 a 30 funcionários dentro da APAE, além
de existir, na época, especulações sobre o fechamento da instituição.
Houve um sentimento, por parte do
pintor, que algo poderia ser feito por sua arte. Além do intuito de levantar
verba, Leonardo queria retratar rostos que geralmente são esquecidos, rostos de
pessoas deficientes. “A campanha teve um benefício meio que holístico né? Cada
ponto que ela tocou, seja para mim, seja para os alunos, seja para a campanha, seja para a cidade acabou sendo beneficiado”, diz, além de relembrar que foi muito especial
para os alunos, que lembram até hoje com alegria de seus retratos pela cidade
de Americana.
O segundo mural da campanha gerou
grande repercussão na região. Smania conseguiu um espaço que, segundo ele, era
de melhor visibilidade na Avenida Brasil, a avenida que é o cartão postal de
Americana. Ele viu a foto de Gleice, uma aluna da Apae, no acervo e decidiu
pintá-la por estar dentro de um recorte social e econômico: “a Gleice é negra. É
mulher deficiente. Ela tem sobrepeso e mora num lugar periférico”. Desde o
começo da pintura do mural ele ouvia reclamações a respeito da cor da pele da
modelo e de sua aparência. Segundo o artista, a modelo estava em um lugar de
destaque genuíno e foi isso que gerou o incômodo das pessoas. “Uma coisa seria
colocar a Gleice num mural do racismo, e eu colocasse lá já haveria o ‘selo’ de
mural contra o racismo”, disse.
Smania usa o exemplo de revistas para
explicar o contexto: “você pode até ver pessoas fora do padrão lá, mas não são
pessoas fora do padrão, como a modelo ‘plus size’, ela está numa categoria
destinada para que ela seja diferente já, entendeu? Ela não está numa categoria
de modelo ‘normal’. Ou então se a pessoa fora do padrão está lá, ela está maquiada
pra estar lá, retocada para estar lá. No caso da Gleice não, eu deixei os
dentes dela bem amarelos, deixei do jeito que ela era mesmo. Então você vê o
quanto isso causa desconforto na galera né? Muita gente me falou que não era
para ela estar ali, e falou sério”, disse. A pintura foi acusada de ser
depressiva, mesmo sendo colorida, benfeita e acabada, com o sorriso no rosto da
modelo, que estava totalmente alegre na foto de inspiração. Para Smania, Gleice
estava despretensiosa e desarmada.
Após alguns meses, a segunda pintura da
campanha foi apagada do muro que estava. No local estava sendo construído um
prédio e, ao término, o muro foi repintado de branco. Para Smania, foi
ingenuidade de sua parte achar que compreenderiam a importância da obra e da
campanha a ponto de deixá-la onde estava. Apesar do desafio, declara “um
trabalho que eu me orgulho muito” conclui.
Olhar carinhoso
“ Eu falo que fotografia é a minha cura. É a oportunidade que eu tenho de mostrar pro mundo como eu enxergo ele e as pessoas” |
Marina Mello |
Marina Mello, publicitária de 23 anos,
cativa seu amor pela arte de fotografar desde o começo do ensino médio, quando
seu pai iniciou um curso... e quem acabou demonstrando interesse foi ela. Esse
interesse levou-a aprender o básico e acabou entrando no curso avançado, junto
com seu pai, que encarava isso como hobby.
Com o apoio da família, Marina ganhou
sua primeira câmera e começou a fotografar por brincadeira, tirando retratos de
seus amigos. Na escola, fotografou os trotes do 3° ano do ensino médio, pois
seus amigos já a reconheciam como uma fotógrafa. Porém ainda não tinha certeza
se aquilo viraria sua profissão. Então optou por cursar publicidade e, caso não
conseguisse trabalhar com fotografia, teria uma formação.
“Eu tento ser muito verdadeira com o
que estou fotografando. Então nesse processo eu quero que a pessoa se enxergue pelos
meus olhos, de uma forma que não costumam se enxergar normalmente. No nosso dia
a dia a gente acaba sendo muito cruel com nós mesmos. A gente se cobra, a gente
se boicota, a gente se pressiona muito, e às vezes o olhar cuidadoso e
carinhoso que a gente tem com outras pessoas a gente esquece de ter conosco.
Então, eu tento ser o mais transparente, o mais sincero possível, a mais
verdadeira possível. Eu gosto de retratar a pessoa como ela é. Por isso que eu
falo que não sou ‘fotógrafa de aniversário’. Eu não falo que faço retratos, eu
falo que sou fotógrafa de gente, que eu gosto de conhecer as histórias e contar
as histórias”, explica Mello.
A fotógrafa ainda expõe a dificuldade
que os artistas enfrentam de que muitas vezes a arte não é valorizada e as
pessoas não querem pagar o preço, reconhecer o valor, pois é subjetiva e o
artista está sujeito a qualquer interpretação. A pessoa pode gostar ou não do
trabalho, pois o que é belo ou arte para um pode não ser no olhar do outro, levando
muitas vezes que não encarem o trabalho dela como algo realmente sério, apesar
de ser o seu sustento. “Eu falo que fotografia é a minha cura. É a oportunidade
que eu tenho de mostrar pro mundo como eu enxergo ele e as pessoas, e acho que
nada paga essa sensação de saber que eu tenho o meu lugarzinho no mundo, sabe”,
declarou Mello.
Linguagem
“ O artista sempre é um termômetro, na verdade um catalisador da época em que ele vive” |
José Renato Sedlacek |
Para o professor José Renato Sedlacek,
50 anos, publicitário, artista plástico e pedagogo, é através da arte que você
se expressa e sensibiliza as pessoas, “afinal a arte também é linguagem, um
meio de se comunicar”, complementa. Sedlacek defende que estamos em uma época
muito dramática, na qual o mundo está mudando de maneira muito rápida, assim
como o comportamento das pessoas.
“Eu falava isso nas aulas, falo
que a arte tem o poder de ‘estesiar’ as pessoas, ao contrário de anestesiar. A
vida anestesia a gente, a arte ‘estesia’, ela sensibiliza a gente e mais do que
isso: não só a arte mas os artistas, com o decorrer do tempo, sempre
encontraram uma forma de se expressar. Além da literatura você tem a
composição, o desenho, a pintura, as artes plásticas, você tem a expressão
corporal pela dança, pelo teatro, pela música; tudo isso faz parte. E o artista
sempre é um termômetro, na verdade um catalisador da época em que ele vive. E
algumas vezes a tecnologia promove uma evolução. Por exemplo, quando os
artistas pintavam, era uma forma de retratar alguém ou alguma paisagem. A
partir da chegada da fotografia, os artistas começaram a encontrar outras
formas de retratar algo, eles passaram não olhar mais pro óbvio né? Para as
pessoas e para a natureza, e começaram a criar. Daí foi o início do modernismo.
A câmera fotográfica já fazia isso, então começaram a retratar sentimentos,
emoções”, explica Sedlacek.
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