sábado, maio 11, 2019

Sinfônica homenageia Diretas

Larissa Biondi
PUC-Campinas

Apresentação da OSMC, sob a regência de Victor Hugo Toro
 Comemorando seus 90 anos, a Orquestra Sinfônica de Campinas (OSMC) apresentou, no Teatro Municipal Castro Mendes, nos dias 27 e 28 de abril, dois concertos em homenagem ao comício do movimento Diretas Já, realizado há 35 anos no Vale do Anhangabaú, em São Paulo. Com uma média de 500 pessoas na plateia no sábado e 400 pessoas no domingo, os concertos, regidos pelo diretor artístico e maestro Victor Hugo Toro, reproduziram o mesmo repertório da apresentação feita pela Orquestra em abril de 1984, com o então maestro Benito Juarez.

O início dos concertos se deu com o Hino Nacional, acompanhado pelo canto da própria plateia entusiasmada. O restante do programa contou com a apresentação de obras de Ludwig van Beethoven (Sinfonia Nº 5, Op. 67, Mov. I), Nikolai Rimsky-Korsakov (Capriccio Espagnol, Op. 34), o campineiro Carlos Gomes (Alvorada de “Lo Schiavo”), Johann Strauss (Vozes da Primavera e Valsa do Imperador), Geraldo Vandré (Pra não dizer que não falei das flores), Moraes Moreira (Frevo das Diretas) e uma coletânea de Milton Nascimento (Travessia; Maria, Maria; Coração de Estudante; Menestrel das Alagoas; Os Bailes da Vida).

Recepcionada com longos períodos de aplausos entre uma música e outra e mostrando-se sempre agradecida, a OSMC concedeu ao público momentos emocionantes como a abertura com o Hino Nacional e os discursos feitos pelo maestro Victor Hugo Toro, que apresentou a todos os músicos da Orquestra os quais tocaram na apresentação feita no comício e continuam em atividade quase 40 anos depois. Durante a apresentação de “Pra não dizer que não falei das flores”, ao sinal do maestro, a plateia cantou o refrão em coro. Aplaudidos de pé durante alguns minutos no final do concerto de domingo, o maestro e os músicos fizeram um bis e fecharam a apresentação com “Aquarela do Brasil”.

Com uma plateia diversa, o concerto contou com a participação de crianças, jovens, adultos e idosos. Bianca (14), Mel (15) e Eugênio (15), foram ao concerto por já possuírem gosto por música clássica. “Eu gosto desse tipo de música e acho que a gente tinha que participar mais de eventos como esse na nossa cidade” disse Bianca. “Eu gostei muito. Particularmente, eu gostei mais da primeira parte que eram as músicas mais clássicas, mas eu também gostei dessa mistura com músicas mais modernas na orquestra” continuou. Com Mel, não foi diferente: “eu vim porque eu gosto desse tipo de música e pra incentivar a música e a cultura no nosso país. Eu gostei muito, mas eu gostei mais da primeira parte também, mesmo que o foco estivesse na segunda com relação ao movimento das Diretas Já”. Eugênio, por fim, afirmou já ter o hábito de frequentar concertos e elogiou o programa: “Eu gostei, é inovador, é inédito. Não é todo concerto que traz esses programas”. Maria Aparecida Martins Rangel, 76, professora aposentada da rede estadual, também não economizou seus elogios e defendeu o espírito de nacionalidade que a população brasileira deve ter: “O início do concerto foi um espetáculo maravilhoso, inesperado. Esse Hino Nacional orquestrado, cantado com o entusiasmo que eu vi hoje, é coisa de realmente arrebatar o coração. Isso devia se repetir mais vezes porque nós precisamos desse espírito de nacionalidade, de brasilidade. O concerto em si foi maravilhoso, as valsas davam vontade de sair valsando, mesmo, e o final com a nossa Aquarela do Brasil foi espetacular. Enfim, isso devia se repetir muito mais vezes”.


A Orquestra e as Diretas
Há 35 anos, em abril de 1984, 1,5 milhão de pessoas se reuniram no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, em um comício do movimento suprapartidário “Diretas Já”. A passeata pró-eleições diretas foi realizada na Praça da Sé e recebeu a Orquestra Sinfônica de Campinas, regida pelo maestro Benito Juarez. Devido a esse evento, a Orquestra passou a ser conhecida como a “Orquestra das Diretas”. Engajada no movimento, a OSMC começou a tocar, também, em outras capitais nacionais.

De acordo com o maestro e diretor artístico Victor Hugo Toro, o repertório foi escolhido a partir de sua popularidade. “Foi o maestro Benito Juarez quem escolheu. O programa é um programa basicamente popular. Faz sentido, é um concerto ideal para 1,5 milhão de pessoas”. Além disso, ele também detalhou um pouco sobre a participação da orquestra no movimento e o que tal repertório escolhido pelo maestro representa: “Importante salientar que, primeiro que não é só um concerto, foram várias apresentações ao redor. E segundo que não era um concerto da Orquestra, era a participação da Sinfônica em algo muito maior, um evento muito maior que procurava coisas maiores. Ele escolheu, me parece que bastante inteligentemente, peças muito populares, muito palatáveis para pessoas que talvez nunca tinham escutado uma orquestra, para pessoas que iam pegar, pela primeira vez, essa ideia e pegar também uma parte popular. Brasileira, popular. Imagino que, claro, dentro de toda a situação, tocar uma valsa de Strauss pode parecer fora de contexto mas, por outro lado, era uma música popular que as pessoas gostavam e estava chamando mais pessoas e imagino a festa que foi quando tocaram as peças brasileiras também.

A participação da Orquestra em um movimento político foi caracterizada pelo maestro como algo interessante. Segundo ele, a participação resultou em momentos que marcaram a história da Orquestra e definiram sua imagem na sociedade. “Surpreende que uma orquestra sinfônica esteja nessa situação. Pode-se imaginar cantores populares, pode-se imaginar poetas, pode-se imaginar atores globais, mas imagina-se uma orquestra tocando nesse dia. A mim parecia interessante, primeiro, por vários motivos. Primeiro porque os músicos, as pessoas veem as orquestras e veem os músicos, mas músicos também são cidadãos e cidadãs, são pessoas da sociedade, se envolvem com ela, têm opiniões e fazem sua parte com o que eles sabem fazer, que é tocar música. Me pareceu muito interessante que na época, a orquestra decidiu não ficar só na tranquilidade da temporada sinfônica e decidiu tomar uma posição firme, uma posição política, a respeito de situações importantes da sociedade brasileira dos anos 80. Decidiu não ficar fora dessa discussão, tentar participar também”.

Embora não seja natural de Campinas ou até mesmo brasileiro, Victor Hugo Toro, chileno, fala sobre a Orquestra com orgulho: “Como chileno, como latino-americano, me dá muito orgulho ser o líder desse grupo que decidiu tomar uma posição em um momento da história contemporânea do Brasil. Quando vejo esse momento, o que eu vejo é um Brasil unido, eu vejo que a orquestra colaborou em um momento em que o Brasil estava unido a uma ideia comum. O movimento suprapartidário das Diretas Já, demonstrou que a sociedade brasileira podia unir-se perante objetivos importantes, perante ideias que definiriam seu rumo na sociedade. E que a orquestra tenha participado disso, é um elemento de honra, importantíssimo pro momento. Há uma coisa histórica que você tem que escolher: ou soma, ou some, e a orquestra decidiu somar, decidiu estar ali. É fundamental”.

Em 2019, o Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Condepacc) concedeu à Orquestra Sinfônica de Campinas a chancela de Patrimônio Cultural Imaterial da Cidade.

Música como um elemento de protesto
O historiador Michel Mendes: "A música é uma forma interessante
e bastante complexa de protesto"
De acordo com Michel Mendes, historiador, professor, músico e mestre em letras clássicas com especialidade em latim pela Unicamp, a música sempre foi muito utilizada como forma de protesto. “A gente tem na história diversos momentos em que a música erudita vai ser utilizada de uma maneira que represente alguma insatisfação. Nós temos, por exemplo, no final do século XII, o concerto do Händel, no período barroco ainda, em que ele protestou contra a demissão de músicos da orquestra dele. Ia haver ali um corte de verbas pra orquestra da qual ele era responsável e ele compôs uma obra que chama 'O último concerto', em que ele compõe de uma forma inédita na qual a orquestra vai se reduzindo. Então, a cada parte da música, os naipes da orquestra vão saindo, até que resta, no final, um músico só, tocando uma parte final. É um protesto que traz essa forma também dinâmica de representação dos músicos saindo literalmente do palco enquanto a música é executada por cada vez menos músicos”. Michel afirmou, também, que músicos como Schönberg e Tchaikovsky buscavam uma maior libertação artística e traziam novos conceitos sociais e políticos em suas músicas, combatendo tonalidades e limitações impostas pela Academia. “Temos ainda outro exemplo famoso que é o Mozart, que é um dos que inaugura o período clássico da música, que foi revolucionário ao compor óperas em alemão, que era uma língua que os próprios alemães diziam que não servia para ópera, que a regra era fazer em italiano. Portanto, são exemplos que aparecem dando força a ideias através da música. Não precisa ter a letra necessariamente relacionada com o que está sendo combatido, mas a própria forma de composição que acaba revelando algumas questões assim. O simbolismo de uma orquestra pode se adaptar a muitas situações. Você tem a questão da relação do maestro com os músicos, você tem o repertório, que pode trazer ali um significado também político e de rompimento de alguma estética. A música é uma forma interessante e bastante complexa de protesto quando vai ser utilizada, desde a música produzida pelo povo, que a gente pode ter alguns estilos mais populares, até uma música erudita” afirmou.

Com relação às músicas nacionais diretamente ligadas ao período ditatorial, o historiador comentou sobre seu impacto com mais detalhes: “A gente pega o período da ditadura a gente tem o movimento da Tropicália a qual eles (os cantores) pertencem e que tinha músicas que não eram, no início, necessariamente de protesto. Elas eram músicas que falavam de tudo, como amor, relacionamentos, pensamentos filosóficos, mas elas se encaixavam naquele momento, muito bem, na situação política, em uma análise, uma reflexão da situação política. O movimento da Tropicália teve bastante força porque ele não nasceu como movimento revolucionário, foi entendido assim e daí os próprios compositores compraram a ideia, acharam que valia a pena contribuir dessa forma. Tanto é que Caetano Veloso e Chico Buarque se exilaram nesse período. Gilberto Gil, também. E nós temos letras que não vão falar diretamente da ditadura, não vão falar dos políticos e da censura abertamente. Não citam fatos específicos, mas trazem a temática que estava em jogo naquela época: liberdade vs limitação. Então, eles podiam transportar para outras áreas. E nesse sentido, então, que as pessoas vão entender como forma de protesto e vão adotar. O Raul Seixas também colocava questões interessantes na música dele. A censura geralmente não entendia muito a questão e deixava passar. Ele até tinha menos problemas com isso, mas ele não é da Tropicália, era o início do rock nacional. É interessante perceber que mesmo dentro do movimento Tropicália teve atritos com os CTC’s, que eram os movimentos tradicionais de cultura. Eles falavam de uma produção musical, teatral, mais focada em elementos nacionais e tinha que ser puramente nacional, era um movimento que nasceu como movimento de protesto então era bem mais radical e não aceitava a estética musical do Tropicalismo, que trazia os elementos do rock inglês, da música norte-americana, que era uma guitarra elétrica, o baixo elétrico, bateria. O Caetano Veloso quando se apresentou no festival de 64, ele se apresentou como os Beat Boys, que inclusive é um nome inglês. Então essa estética musical significava pros grupos nacionalistas um desrespeito. Usar uma guitarra elétrica pro CTC era errado, não tem nem letra envolvida; tocar um determinado instrumento trazia um simbolismo. Se pegar países como a Escócia, que tiveram proibições também de instrumentos como a gaita de fole, a Inglaterra proibiu no período de dominação que os escoceses tocassem a gaita de fole, porque pra eles era um instrumento que exaltava o nacionalismo escocês e eles tinham que refrear isso. A Tropicália e essa música que quebra padrões, aí no caso também com as letras além da estética, se encaixava muito bem naquele momento meio que dizendo o que as pessoas queriam dizer mas não podiam, então pela música era permitido”.

Nenhum comentário: