PUC-Campinas
Douglas Holanda, presidente da Associação Parada e Apoio LGBT de Campinas |
As manifestações políticas e sociais da comunidade LGBT contra a força policial no bar Stonewall Inn, localizado em Nova York, comemora este ano 50 anos. Considerado como o epicentro para o crescimento da luta pelos direitos civis desta minoria, o evento é lembrado pela sua luta e personagens importantes. Este ano, a parada de Campinas, que ocorrerá no próximo domingo, dia 30 partindo da Av. Francisco Glicério, relembra estes eventos que ocorreram na noite de 28 de junho de 1969, e a importância de levar a história às novas gerações que integram esta comunidade.
Douglas Holanda, presidente da Associação Parada e Apoio LGBT de Campinas, pontua os processos necessários para realização do evento, desde ofícios para o Poder Público e suas determinadas secretárias como Guarda Municipal e Corpo de Bombeiros, até a definição do tema que será apresentado e visibilidade para cada letra da sigla. A necessidade de trazer Stonewall à tona é de grande importância para a comunidade LGBT. De acordo com Douglas, foram as rebeliões de Stonewall contra a polícia e as leis do estado de Nova York que incitou gays, lésbicas, bissexuais, transsexuais e drag queens do final do século 20 a ir às ruas e lutar por sua existência, “esse ano nós vamos tratar do nascimento da luta LGBT no mundo, então não tem como fugir e não falar sobre isso.”
Uma das maiores dificuldades relatadas por Douglas é referente às dificuldades de conseguir patrocinadores: “Campinas é uma região cheia de empresários e empresas, e poucos são engajados nas nossas pautas. Por exemplo, a Praça Bento Quirino, que recebe um grande fluxo de indivíduos da comunidade LGBT, apenas dois bares decidiram apoiar, que foram o Velho Casarão e o Rota 54”. Por mais que se tenha a união desta comunidade de uma forma geral, Douglas também fala sobre a falta de engajamento dos mesmos para a realização da parada. “Nós fazemos um evento voltado para 70 mil pessoas, mas nós temos apenas 9 pessoas envolvidas na realização do projeto”, disse.
O tema deste ano também é causa de dualidade: “Se a gente parar pra pensar, quantas pessoas já perderam suas vidas nesses 50 anos, a gente não comemora, mas ao mesmo tempo existe um motivo de alegria, porque muita coisa mudou, foram graças a todas essas vidas que hoje nós podemos ter um projeto de votação no STF praticamente ganho”, disse Holanda. Na data da entrevista, 10 de junho, segunda-feira, a criminalização da LGBTfobia ainda não tinha sido aprovada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O enquadramento ao crime de racismo entrou em vigor no dia 13 de junho, quinta-feira, demarcado pela fala da ministra Carmen Lúcia: “A reiteração de atentados decorrentes da homofobia e transfobia revela situação de extrema barbárie. Supera-se em não aceitar o diferente, quer-se eliminar o que se parece diferente fisicamente, psiquicamente, sexualmente, negam-se as conquistas civilizatórias.”
Douglas também afirma que levar Stonewall para as novas gerações é o objetivo mais importante da parada este ano, que os LGBT’s devem se lembrar de não se silenciar perante as situações de preconceito no dia a dia – “aquelas pessoas de 50 anos atrás não tinham noção do movimento que elas estavam fazendo, elas estavam simplesmente cansadas de apanhar, de serem presas e humilhadas. E eu acho que é exatamente isso que se trata a parada deste ano, é parar de pensar tanto no midiático, o tanto de likes que eu vou ganhar nas redes sociais, e na verdade batalhar de frente para que mais mudanças sociais sejam promovidas.”
Nova York, 1969
Os Estados Unidos da década de 60, foi marcado por eventos que deixaram o cidadão norte-americano em um extremo jogo moral, político e social. A morte do presidente John Kennedy, guerra do Vietnã, festival de música Woodstock revelando a contracultura, posse do presidente Richard Nixon, morte de Martin Luther King e o surgimento de movimentos de sócio-políticos que lutavam pelos direitos de minorias são alguns dos exemplos. Neste último é onde reside a história do bar Stonewall Inn. Em uma época onde ser diferente era ser considerado alvo policial e da sociedade em geral, Mark Horn, escritor, hoje em idade avançada, narra sua juventude nos bairros de Nova York daquela época e como entrou para uma das mais importantes instituições que mudaria o cenário LGBT para sempre, a Gay Liberation Front (GLF).
Mark se assumiu cedo para sua família, era ativista no ensino médio e procurava lugares onde poderia encontrar outros iguais a ele, “eu era menor de 21 então eu não podia entrar nos bares... GLF promovia encontros de dança, e foi lá que eu comecei a criar laços e me envolver com o movimento”. Brevemente, o bar Stonewall Inn era e continua localizado no bairro de Greenwich Village, na Christopher Street. “Dançar com alguém do mesmo sexo era um ato revolucionário” – Mark conta, por isso a relevância dos bares gays daquela época. Entretanto constantes assédios morais de policiais que diziam estar patrulhando os estabelecimentos a procura de menores, na verdade infligiam uma cultura de censura no cenário gay nova-iorquino. Na noite de 28 de junho, durante uma patrulha policial que ocorreu no estabelecimento, os oficiais foram recebidos com manifestações agressivas daquele público que estava cansado de ser oprimido e humilhado por tanto tempo, culminando na revolta duradoura de dias após de junho e que se ascendeu no movimento LGBT que clamava por mudanças futuras. A força política de outros movimentos como Black Lives Matter, grupos contra a guerra do Vietnã e o movimento feminista só contribuíram para a “revolta gay” como foi conhecida. Ainda que frequentasse a região de Greenwich Village, Mark não esteve nas manifestações não planejadas de Stonewall: “Infelizmente não era um lugar que eu me sentia seguro. Era um local com muita gente envolvida em prostituição e drogas. Então, procurando lugares que fossem seguros, eu encontrei o GLF.”
Na época de sua adolescência, ele narra de forma mais profunda a opressão policial que era vista de forma nítida na Christopher Street, naquele tempo considerada o ponto de encontro da comunidade LGBT: “eles literalmente subiam com as viaturas em cima das calçadas para fazer com que nós nos movêssemos e saímos dos espaços públicos. Era proibido ficar à toa na rua, então eles usavam essa desculpa para suas atitudes. Basicamente não podíamos existir.”
A primeira grande parada LGBT do mundo, ocorreu em Nova York em 1970, um ano após os ocorridos de Stonewall, organizada pelo grupo GLF, no qual Mark participava. Um dos slogans do evento foi “Fora do armário, dentro das ruas”, ele narra – “foi libertador poder finalmente clamar nossa existência, e mais ainda ouvir as pessoas aplaudindo e se juntando a nós. Começamos com quatrocentas mil pessoas quando saímos de Greenwich Village, mas assim que chegamos no Central Park, éramos em torno de vinte mil pessoas.”
Mark ainda conta sobre os embates de ideologias polarizadas que existiam, de um lado uma parte queria se encaixar nos padrões heterossexuais da sociedade, enquanto o grupo em que Mark participava, queria se rebelar e ser o contrário do que era esperado de um homem e uma mulher – “tinha-se diversos grupos nascendo naquela época, e infelizmente o conceito de whitewashing o movimento era muito presente em diversas associações.” – O termo refere-se a atitude de gays, lésbicas, bissexuais brancos e cis gêneros de negar a participação e visibilidade de outras etnias ou identidades sexuais na luta pelos direitos LGBT, uma delas foi a existência de drag queens e transsexuais – “para nós (GLF) qualquer forma que alguém quisesse se expressar seria aceito.”
Em minha conversa com Mark, descubro que o escritor teve contato com duas figuras emblemáticas que deram voz à ambos subgrupos marginalizados citado à cima, estas eram Marsha P.Johnson e Sylvia Rivera. Em 1970, Horn era um dos líderes do Gay Youth, grupo que era centrado em gays menores de idade, ele conta que sua associação emprestou dinheiro para Johnson e Rivera – “elas disseram que estavam criando uma instituição chamada S.T.A.R (Street Transvestite Action Revolutionaries) focado em acolher drag queens e transsexuais. Em uma tarde vieram até nós e disseram: vocês poderiam nos emprestar uma grana?” – Mark afirma que seu coletivo sabia que nunca receberiam o dinheiro de volta, mas também reconheciam o apoio necessário para a criação de um grupo que acolhesse essas pessoas que era mortas, estupradas e oprimidas pelos seus próprios pares. Para aqueles que desejarem conhecer melhor a vida dessas duas personagens e o mistério da morte de Marsha, em 2017 o serviço de streaming Netflix produziu o documentário ‘A vida e a morte de Marsha P.Johnson‘ no qual os eventos de Stonewall e Marsha se entrelaçam e evidenciam a vida nova-iorquina trans do século 20.
Sylvia Rivera toma o microfone na parada LGBT em 1973 e fala sobre os erros de inclusão da comunidade quanto aos transexuais |
Mais do que incluir todas as partes da sigla, GLF promovia atividades dentro da comunidade, como rodas de terapia, aulas de artes, inclusão de negros, latinos e outras etnias (algo raro durante aquele período) e a criação da primeira grande parada LGBT. Nas aulas de danças citadas por Mark, ele comenta como estas atividades abriram espaços na sociedade – “Antes de entrar para o grupo eu não conhecia ninguém que não fosse branco, eu cresci em um bairro branco no Brooklyn. No GLF você conhecia todos os aspectos sociais, desde o mais rico até o mais pobre. Abriu meus olhos para sempre.”
Mesmo com tantos progressos sociais feitos por estes grupos e indivíduos, a falta de reconhecimento histórico do publico em geral, e dos próprios LGBT’s quanto à Stonewall ou ao Gay Liberation Front é imensa. Mark afirma diversas vezes durante a entrevista, o quão poderoso é de se entender o passado deixado, “quanto mais você conhece sua história, mais você entende que sempre vão ter pessoas que querem esconde-la de você, porque sem reconhecimento histórico, você não sabe quem realmente é”. Terminamos a entrevista com Mark fornecendo uma mensagem para os novos LGBT’s – “Não tenha seus direitos como algo garantido, vocês têm que ser vigilante sobre eles.”
Nas pesquisas feitas para a formulação desta publicação, noto em ambas entrevistas a forma pela qual a história assume um novo papel não apenas de documento, mas como forma de inspiração. Minorias encontram em seu passado a força necessária para continuar em frente o legado por seus direitos. Tanto em 1969 quanto em 2019, LGBT’s continuam se unindo para lutar contra os preconceitos da sociedade em que vivem. Desde a primeira manifestação em 1970 em Nova York, até a aprovação da lei que considera a LGBTfobia um crime no Brasil, Stonewall continuará ressonando para sempre em nossa sociedade.
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