segunda-feira, abril 08, 2019

Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas completa 90 anos e faz história na cidade

Naira Zitei 
PUC-Campinas

O maestro da Sinfônica de Campinas Victor Hugo Toro
A Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas (OSMC) celebra este ano, 2019, 90 anos de atividades. Reconhecida como uma das mais antigas do país em atividade, a OSMC foi criada em 6 de outubro de 1929 e foi a primeira instituição do gênero a surgir em uma cidade brasileira que não fosse capital de Estado. Dessa forma, em ritmo de comemoração, o maestro titular Victor Hugo Toro realizará uma série de concertos especiais durante o ano. 

A história da Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas começou de maneira familiar como conta, em entrevista, Maria Angela di Tullio, neta do fundador: “O meu avô, João di Tullio, foi uma figura muito importante, porque ele pertenceu à antiga Sociedade Sinfônica de Campinas, que era uma banda. O João di Tullio reuniu o meu pai e mais os meus três tios, que eram músicos, e fundaram a Orquestra Sinfônica de Campinas em 6 de outubro de 1929”, afirma. Porém, Maria  ngela deixa claro que esses só foram alguns dos nomes que iniciaram a jornada. O atual maestro, Victor Hugo Toro, explica que existiam outras orquestras na época, mas “uma orquestra que tivesse uma série de concertos planejados e que você contasse que a orquestra fizesse parte da cidade, isso era novo”.

Orquestra Maestro João Di Tullio
Maria Angela di Tullio, neta do fundador
Por falta de verba, as apresentações pararam durante cinco anos mas, segundo Maria Angela, o tio, Luiz di Tullio, não se conformava e solucionou o problema: “ele era professor e tinha muitos alunos de violino, então ele fez uma orquestra dos alunos e chamou o meu pai e os meus dois tios para formar a Orquestra Maestro João Di Tullio. A orquestra ficou tão boa que a PUC bancou músicos de fora para vir tocar e, assim, surgiu a Orquestra Universitária Campineira. Monsenhor Salim, antigo reitor da faculdade, mais o meu tio e outras pessoas entraram em um acordo com o prefeito da época e formaram a Orquestra Sinfônica de Campinas em 1966”, lembra. De acordo com o professor de História da Música, Edson Tadeu Ortolan, o Conservatório Carlos Gomes colaborou com essa história, pois a maioria dos músicos da orquestra eram alunos do conservatório e, por isso, a maioria dos ensaios aconteciam nesse espaço, pois era um período que muitos teatros eram derrubados em Campinas. 

A partir de 1974, os músicos passaram a se sustentar apenas da orquestra e não precisavam mais trabalhar fora. Por esse motivo, a entrada do maestro Benito Juarez trouxe uma profissionalização completa à Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas. Além disso, Vitor Hugo Toro ressalta que, quando Benito assumiu a orquestra, ele quebrou a barreira entre repertório clássico e popular e leva a música clássica para fora dos teatros. No entanto, Maria Angela di Tullio relembra que na época do seu pai “a orquestra, por ser municipalizada, tocava em jardins, cinemas, bairros, escolas... ou seja, isso não foi o Benito que lançou. Em 1965, o teatro foi demolido, então não tinha lugar para ensaiar, por isso, muitas vezes, era ao ar livre. O Benito continuou a fazer isso apenas.” e acrescenta “A música é cultura e todos devem ter acesso. Onde a orquestra toca tem que ter portões abertos porque, se é da Prefeitura, é do povo”, destacou.

Libreto com foto do maestro João Di Tullio, fundador
A boa fama de Benito Juarez é questionada por muitos. Ivan Corilow toca fagote na atual OSMC faz 30 anos e confirma as divergências que ocorriam com os musicistas e o maestro. Hoje, ele é muito feliz e diz: “é ótimo fazer música, mesmo os ensaios que, às vezes, são cansativos, eu acho legal. Nós trabalhamos com um grupo de 60 e 70 pessoas, é uma experiência muito diferente. As viagens, o reconhecimento do público, conhecer novas realidades faz com que eu goste muito do meu trabalho”, diz o fagotista.

Maria Angela di Tullio também apresenta um desafeto com o antigo maestro e se entristece por não ter o trabalho da sua família reconhecido e lembra a morte do tio “quando o Benito conseguiu a orquestra pra ele, o meu tio não se conformava. Acho que em 1976, ele colocou na cabeça que formaria outra orquestra junto com os músicos que tiveram que sair com a entrada do Benito, mas faltava verba. Então, ele ficou sabendo que o Ministro da Educação e Cultura da época, Ney Braga, vinha para Campinas para ser paraninfo em uma formatura do curso de Direito e essa turma contratou a orquestra do meu tio. Ele ficou feliz da vida, pois ele pensava que conseguiria apoio do Ministro, mas no ensaio um dia antes, ele morreu e não teve música no dia. Eu acredito que, na verdade, ele tenha morrido de tristeza por ter se afastado da Orquestra Sinfônica de Campinas”, afirma.

O professor Edson Tadeu critica o ambiente elitizado que possuem os concertos e acredita que para torná-los mais acessíveis é preciso explicar que uma sinfonia tem o mesmo esqueleto dos outros estilos de música, mas cada um possui uma forma de se expressar. Ele explica que a educação brasileira piorou após o Golpe de 1964 e a cultura musical erudita foi prejudicada nesse sentido. Dessa forma, a dificuldade de levar a sociedade para assistir um concerto fez com que a música clássica e popular se mesclasse, mas o maestro Victor Hugo afirma que é necessário ter um equilíbrio “a orquestra tem que ser uma instituição querida e respeitada ao mesmo tempo. Se a gente oferecer apenas música popular, nós seríamos queridos. Se a gente fizesse apenas Beethoven, seríamos respeitados”, disse.

Conservatório Carlos Gomes
A bagagem da Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas contém diversos movimentos políticos, por essa razão, o musicista oficial da orquestra, Ivan Corilow, cita a importância da participação da música clássica no movimento Diretas Já e complementa “Nosso governo atual acabou com o Ministério da Cultura, nós precisamos nos manifestar”, declarou.

Já o maestro atual conta um episódio que ocorreu no ano passado: “O caso do homem que matou cinco pessoas e depois se matou em uma Catedral de Campinas no mês de dezembro de 2018 fez a gente discutir sobre o que nós poderíamos fazer, pois faz parte da nossa moral, a gente consolar as pessoas naquele período de espíritos abalados”. Por fim, ele declara que fazer arte é um ato político e os músicos utilizam os instrumentos ao invés da fala.

O fato de os meios de cultura não serem vistos como um investimento incomoda o maestro Victor Hugo e faz a seguinte analogia: “Claro, é certo que somos necessários após de outras necessidades básicas. Porém, nós não limitamos nossa relação com nossos filhos apenas com uma cama, comida, hospital e escola. Você quer que ele se forme como pessoa, por isso, não entendo porque, se em casa não nos limitamos, em termos políticos há esses cortes.”. Para enfatizar a importância de uma cidade possuir uma orquestra sinfônica, ele relata que há dois anos, eles fizeram uma atividade com crianças surdas que foi para o Jornal Nacional e, aquele ano, foi a única notícia boa que transmitiram de Campinas nacionalmente. Porém, ele concorda que esse dinheiro não deve sair do poder público apenas e reclama da falta de ajuda privada.

A Orquestra Sinfônica de Campinas mantém viva a memória do compositor campineiro Carlos Gomes, e, de acordo Edson Tadeu, ele ficaria feliz por não terem se esquecido dele após nove décadas. No entanto, acredita que o musicista exigiria mais estudo, apresentações e dinheiro para investir e reitera “um passo dado em direção a cultura é um passo dado em direção a liberdade”.

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