quarta-feira, maio 01, 2019

Quando a sala de aula é na selva

Gustavo Ferreira
PUC-Campinas

O sociólogo Duarcides Ferreira Mariosa
O sociólogo Duarcides Ferreira Mariosa, de 58 anos, é um dos coordenadores do projeto Biotupé, que realiza estudos na reserva de Desenvolvimento Sustentável (REDES) do Tupé, na zona rural do município de Manaus. A iniciativa visa promover o Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável como estratégia de atuação.

Formado em Ciências Sociais pela Unicamp e com mestrado e doutorado em Sociologia pela mesma universidade, Mariosa é atualmente professor na PUC-Campinas e realiza, desde 2001, estudos na reserva de desenvolvimento sustentável do Biotupé.

Duarcides todo ano se aventura a levar alguns alunos, familiares e professores, em uma viagem para a reserva. A viagem tem como objetivo estudar e aprender mais sobre a flora, a fauna e as comunidades que lá vivem

O que é o projeto Biotupé?
Duarcides Ferreira Mariosa - O projeto Biotupé é uma iniciativa do Instituto Nacional de Pesquisas do Amazonas (INPA). Eles trabalham numa reserva de desenvolvimento sustentável que fica ao lado de Manaus. Ali existe um grupo de biólogos que estavam fazendo pesquisas ali dentro, e a comunidade ficou apavorada quando foi feito o decreto e entrou ali uma reserva. Então, eles não sabiam exatamente o que eles poderiam fazer ou deixar de fazer, daí esses pesquisadores do INPA foram procurados para poder orientá-los nessa questão de, numa área de proteção ambiental você tem uma população residente então qual que é a dinâmica em termos legais, em termos econômicos, sociais que eles podem operar lá. E nisso começou o projeto, de 2000 para 2001, foi criado um grupo de pesquisa no CNPQ e começou a aparecer pesquisadores interessados a trabalhar. E eu entrei no projeto em 2007, a convite de um colega, porque eles estavam tendo dificuldade nas questões de natureza sociológica, biólogo tem facilidade para lidar com bichos e plantas, mas com pessoas é um pouco mais complicado. Aí eles me chamaram eu fui lá como uma primeira reunião e estou lá até hoje.


Como funciona o trabalho dos integrantes?
Duarcides Ferreira Mariosa - Atualmente nós somos pesquisadores, 32 das mais diferentes formações, tem gente que é biólogo, tem o pessoal da botânica, tem psicólogo, tem educador, no meu caso sociólogo, tem várias atividades. Então dentro dessa área de reserva, que é bom a gente esclarecer que uma reserva de desenvolvimento sustentável, ela prevê dentro da sua constituição a possibilidade de você desenvolver pesquisas no sentido de entender a melhor forma de organizar o espaço as comunidades humanas sem agredir ou sem impactar negativamente o ambiente. Então, acaba que lá tem uma parte da vida, uma dinâmica deles que a gente investiga. Então, nesse momento agora, eu estou desenvolvendo pesquisas da economia solidária, eu já fiz pesquisas na área de saúde, de organização comunitária, cada ano é uma história.


Qual é seu papel no projeto?
Duarcides Ferreira Mariosa - Eu sou coordenador dos estudos comunitários, então minha parte nesse espaço de pesquisadores é a de fazer levantamentos, fazer pesquisas, fazer estudos, dar cursos, no que se diz respeito a essa relação entre os indivíduos, o modo de vida deles, o ambiente e a economia. A gente está preocupado, por exemplo, com a utilização dos recursos florestais não madeireiros, com a utilização turística dos espaços, da distribuição espacial deles. Então, a gente lembra que aquelas pessoas não podem ser esquecidas ou excluídas, porque em algum lugar ou algum tempo alguém queimou a floresta deles.


Como os alunos podem ajudar na reserva?
Duarcides Ferreira Mariosa - Os alunos participam do projeto em 3 níveis. A gente tem o pessoal que faz um curso, geralmente no começo de julho a gente tem uma disciplina que é oferecida para os alunos de pós-graduação no INPA, e nesse curso eles fazem toda discussão teórica, depois nós vamos para campo, daí são produzido artigos, que são apresentado em congresso, publicados, coisa e tal. Então esses são alunos de pós graduação, eles recebem certificado, então uma disciplina que vai pro currículo deles de pós e doutorado. Os alunos que eu levo daqui participam da parte da pesquisa, que seria então o contato com a comunidade ou com a área da reserva, e ali eles aplicam os instrumentos de pesquisa, e eles são hora quantitativo, hora entrevista qualitativas, então eles têm um contato com a população. Geralmente a gente fica 4 a 5 dias dentro da comunidade, visitando o espaço, daí fica a critérios deles se num futuro eles querem escrever um artigo ou publicar fotos


Como o projeto afeta a vida das pessoas que moram lá?
Duarcides Ferreira Mariosa - A gente quer estudar e utilizar os recursos que temos na área de pesquisa, para que a gente contribua para que as pessoas de lá possam ter uma qualidade de vida melhor, mas isso não impositivo, a gente dá para eles dados como: “aqui esse seria o melhor tipo de construção”, “vocês precisam se organizar para fazer uma reivindicação na prefeitura”, “vocês precisam de um espaço para produção econômica”, então cada dentro de sua área estuda, levanta os dados, e os oferece, se ele vão usar ou não fica a critério deles


Quais cuidados são tomados nesse choque de pessoas daqui com pessoas de lá?
Duarcides Ferreira Mariosa - Então, as pessoas saem daqui achando que lá eles são pobres coitados, desinformados, vulneráveis, carentes ou mal informadas, e que você lá é o grande salvador que irá levar a civilização para eles. Então uma das coisas que as pessoas que saem daqui dizem no final da viagem é:” eu cheguei aqui achando que tinha muito mais coisa para ensinar, e saio daqui aprendendo muito mais, eu levo muito mais do que eu trouxe”. Outra coisa é a questão do tempo que é impressionante, parece que um dia lá demora uma semana para passar, a intensidade lá é diferente, pois eles estão sentindo coisas que eles nunca sentiram, e tempo não é duração, e sim intensidade. Fora coisas como se habituar com a vida de lá, uma coisa é você dormir na sua cama quentinha, outra é dormir numa rede dentro de um barco no meio da selva amazônica


Quais foram os principais resultados dos projetos?
Duarcides Ferreira Mariosa - Existem diversos destaques que posso falar, existem diversos projetos que receberam prêmios estaduais no Amazonas, sobre o impacto em relação a qualidade da água, a importância do saneamento. Nós tivemos também alguns estudos que foram bem reveladores da estrutura econômica deles, que serviu para fazer um documento oficial que se chama Plano de Manejo, onde a secretaria utilizou dos nossos dados para saber o que podia ou não fazer


Qual foi a importância do projeto que você trabalhou de “caracterização econômica, demográfica e ambiental da população”?
Duarcides Ferreira Mariosa - Esse ainda é um projeto que ainda está em desenvolvimento. O que estamos trabalhando nele é: “Quais são as condições de vida da população?” Um exemplo é o jovem, que aos 15 anos vai para Manaus, e volta aos 33. E com esse estudo queremos saber o do porque ele sair e voltar. Esse foi um estudo muito interessante, que nós conseguimos através do levantamento de dado e das entrevistas saber como funciona a tentativa de migração do garoto dessa reserva para a cidade grande por querer estudar e trabalhar. E quando ele chega lá, a vida na floresta é diferente da vida urbana, mesmo que ao chegar na cidade grande ele acaba ficando lá por conta do deslumbramento. Mas, ao passar do tempo, ele vê que a cidade suga muito da pessoa, em relação a liberdade dele, as atividades, exigência sobre trabalho, que no caso deles geralmente é desqualificado, muitos acabam ficando atrás por falta de estudo. E ele vê que na reserva, apesar de não ter a renda e movimento como na cidade grande, ele também não tem as preocupações da vida urbana, e com isso numa determinada idade ele retorna. Mesmo os que conseguem se manter na cidade grande e constituir família, depois de aposentados, acabam voltando, ou pelo menos estabelecer ali uma área de lazer para manter contato. É muito importante a gente entender esses processos pendulares, porque eles saem dali e porque eles retornam.
O outro estudo foi sobre diabete mellitus tipo 2, que acontece 4 vezes mais nas mulheres do que nos homens, que nos fez perceber que o estilo de vida que eles têm lá, pra mulher é mais impactante na saúde que para o homem.


Quem são as pessoas por trás do projeto?
Duarcides Ferreira Mariosa - São os pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisa do Amazonas, eles tão no departamento de biologia, água doce e pesca interior, que é o grupo do INPA que fazem pesquisas na área da Amazônia envolvendo geralmente a parte de biologia, recentemente eles começaram com questões de natureza climática. E a gente está trabalhando com estudos comunitários porque quando se fala da questão ambiental você tem que imaginar que dentro do Amazonas, ou dentro de qualquer reserva, você tem gente, então as pessoas são aquelas que conservam ou vão depredar o ambiente. Então, se você está pensando alguma coisa dentro de preservação, você tem que levar em consideração as características humanas. Por isso que foi agregado outros profissionais, porque biólogo entende de bicho e de planta, mas como digo, gente é uma coisa complicada


Como funciona a viagem?
Duarcides Ferreira Mariosa - Os alunos de pós graduação se matriculam no curso no INPA. Eles fazem a parte teórica, e a parte prática é uma pesquisa de campo que são aplicados questionários e são feitos entrevistas e gravadas entrevistas, que dai os alunos daqui participam, não fica restrito só aos alunos. A atividade não é da PUC, e sim do INPA, as pessoas saem daqui a convite do INPA. Então vai alunos daqui da PUC, da UNICAMP, da UNIP, vai pai de aluno, namorada, namorado, quem quiser ir pode ir.
Já sobre o trajeto, você pega o avião, desce em Manaus, em Manaus tem um transporte que te leva até o barco, barco que nos leva até as comunidades. Você fica no barco durante o período da pesquisa, com isso você pode ir numa comunidade ou em várias comunidades. Terminada a pesquisa, você vem pro centro, a gente tem uma visita no INPA, depois a entrega dos certificados e voltados, tudo isso num período de 10 a 12 dias


Como funciona para participar do projeto?
Duarcides Ferreira Mariosa - Tem um e-mail, viagemaoprojetobiotupe@gmail.com, você envia uma mensagem para esse endereço dando seus dados e se você está vinculado alguma universidade e qual seu curso. Com isso você entra numa lista de espera, e mais ou menos em fevereiro ou março, eles nos dão uma lista dos projetos aprovados e quais as datas. Com isso, retornamos os emails as pessoas, perguntando se estão interessadas. Damos o valor completo ao participante, hotel, tempo de permanência, os alunos geralmente pagam isso em março, abril, maio e junho, fora a passagem, que fica a critério do aluno de como pagar.

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