domingo, junho 09, 2019

Premiação em Cannes revela drama do cinema nacional

Murilo Henrique Bonfim
PUC-Campinas

Pela primeira vez desde 1962, quando Anselmo Duarte conquistou a Palma de Ouro com O Pagador de Promessas, um filme brasileiro foi vencedor de um grande prêmio no Festival de cinema de Cannes, um dos mais importantes do mundo. Este ano, Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, venceu o Prêmio do Júri. Como reforço do prestígio da cinematografia nacional, A vida invisível de Eurídice Gusmão, de Karim Aïnouz, foi o vencedor da mostra paralela Um Certo Olhar, também em Cannes.



As conquistas chegam em um momento delicado da indústria nacional, visto que o governo se mostrou disposto a diminuir os investimentos no cinema brasileiro, já que, segundo o presidente Jair Bolsonaro, a Petrobrás, uma das maiores patrocinadoras do cinema nacional, deve parar de investir no segmento. Outro fator que aquece a crise são as mudanças na Lei de Incentivo à Cultura (antiga Lei Rouanet), que diminuiu drasticamente os valores que podem ser arrecadados por projeto.

Para o doutor em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia, Sandro Santana, em entrevista realizada por e-mail, a suspensão do repasse de verbas significa a paralisação da cadeia produtiva, afetando diretamente empregos gerados pelo setor. Ele acredita que as medidas tomadas pelo governo tendem a desvalorizar as produções independentes, valorizando apenas as produções de grandes estúdios.

Santana destaca que 70% da distribuição de todos os filmes nacionais se concentra em duas grandes distribuidoras: a Paris Filmes e a Downtown Filmes, relacionadas à Globo Filmes, maior produtora do país, que concentra mais de 90% da bilheteria nacional.

A decisão do governo federal tem impacto ainda maior quando nota-se que o valor gerado pelo setor audiovisual representa 0,46% do PIB (Produto Interno Bruto) segundo a Ancine, o que corresponde a cerca de R$ 43 bilhões por ano.

Outra questão que modifica o cenário atual é a cota de tela, medida que garante espaço para a distribuição de filmes nacionais em salas de cinema do país. O decreto, que já dura cerca de 20 anos e é atualizado a cada ano, foi aprovado pelo ministro da Cidadania, Osmar Terra, no dia 6 de maio, após a polêmica distribuição do Blockbuster americano Vingadores, que ocupou cerca de 80% de todas as salas de cinema do País. A lei aprovada modifica a metodologia atual e traz preocupação a alguns representantes do segmento artístico.

Para o proprietário do Cine Topázio de Campinas, Marcelo Dias, a cota de tela acaba prejudicando o setor principalmente porque não há o investimento adequado nesse segmento. Para ele, o governo não deveria interferir no setor privado com imposição de cotas, mas investir numa melhor produção e divulgação de filmes, para que as produções nacionais possam também ter sucesso.


Não bastasse todo esse problema no setor audiovisual, desde o dia 18 de abril, o diretor-presidente da Agência Nacional de Cinema, Christian de Castro, assinou um despacho paralisando o repasse de verbas para todo o setor audiovisual. A medida causou surpresa e revolta na categoria, fazendo com que projetos que já estavam em andamento fossem parados ou sofressem atraso devido ao impasse que vive a Ancine no TCU (Tribunal de Contas da União), que cobra do órgão uma maior fiscalização do repasse de verbas.

Em meio a tantos problemas no cinema brasileiro o cineasta Kleber Mendonça Filho, falou ao jornal "O Estado de S. Paulo" sobre a importância da vitória no Festival de Cannes: “Estamos vivendo um momento de desmonte no Brasil e esse filme acabou abrindo uma boa conversa internacional. Tenho muito interesse em saber como (os brasileiros) vão reagir a ele. O filme, aqui, ganhou a imagem de objeto de resistência”.



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